Em “Doidinha do Sul”, contei como cheguei ao traço cartunesco que ilustra esse site e também dá vida às minha tiras. Agora, vou explicar como essas tiras, assim como na química, reagiram ao composto chamado internet e se resolveram num produto novo. 

Minha publicação é concentrada nas redes sociais Twitter, Facebook e Instagram, mas muito mais no Instagram que nas outras. Lá, o padrão original de publicação de foto, com um ajuste ou outro feito ao longo do tempo, é de imagens quadradas. Então, me pareceu óbvio fracionar minhas tiras antes de publicá-las, tomando como medidas de corte os seus quadros e postando elas no formato de álbum. Eu só não imaginava que, fazendo isso, estaria interagindo – e redimensionando – um dos aspectos fundamentais da linguagem de quadrinhos: o ineditismo da cena.

Tradicionalmente, em graphic novels e histórias com mais de uma página, as cenas marcantes ficam na lauda esquerda. Isso acontece porque é essencial à narrativa gráfica que o leitor tenha, numa olhada, acesso visual a toda a informação contida na página. Portanto, para gerar o senso de ineditismo e surpresa, os pontos de resolução das tensões devem respeitar essa dinâmica, ficando escondidos sempre após a virada da página, ou seja, alocados do lado esquerdo da publicação. 

No caso das tiras, o final da história fica à extrema direita do primeiro quadro, respeitando a ordem de leitura ocidental: da esquerda para a direita, de cima para baixo. Ainda assim, todos os quadros estão expostos juntos, visíveis a uma olhada. A grande novidade do produto da reação química formada pelos reagentes tirinha e instagram é que o leitor só tem acesso a, normalmente, um quadro por vez. Isso gera um senso de ineditismo perene, que possibilita ocultar uma surpresa a cada novo quadro.

Essa particularidade é algo que já havia aparecido na publicação impressa de quadrinhos, dentro de um formato de livro chamado “tijolinho”, mas, no que tange meu conhecimento, somente em narrativas mais longas. Inclusive, é notável o potencial que essa reflexão sobre o ineditismo do quadro tem quando a inserimos no contexto online. Isso porque está associado aí não só o vínculo com a narrativa curta adaptada ao imediatismo virtual, mas também à chance de capturar os olhos de um leitor adaptado a passar, arbitrariamente, por conteúdo renovado incessantemente.

Só no dia em que percebi isso que assumi pra mim mesmo que eu era – também – um autor de webcomic. Na ocasião, havia cerca de dez tiras de uma série chamada “Athayde Abramovic” desenhadas, cuja proposta narrativa é essencialmente atrelada ao ineditismo do quadro que está por vir. Em suma, são histórias de dois quadrinhos sendo o primeiro deles um autorretrato e o segundo… Virtualmente qualquer pessoa. A tira é uma sátira da performance clássica da artista visual Marina Abramovic “The Artist is Present”, em que ela ficava sentada em frente a uma cadeira vazia, sete horas por dia, numa bienal da vida, aguardando que algum semovente rompesse seu fluxo e se sentasse diante dela. Aí os dois ficavam se olhando. Tipo nós dois… Você está sentido? Eu estou olhando pra você agora. AGORA. AGORAAAAAAA!!!!!

Mais “Athayde Abramovic” em @athaydeaf

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