Lá pelo terceiro ou quarto capítulo da graphic novel sem nome, chamada até agora de “do zero ao mais ou menos”, eu estava meio puto. O “presidente” da nação havia ido à televisão pública fazer um pronunciamento ridículo sobre a pandemia do coronavirus, meus pais estavam no grupo de risco e só tinha meio vidro de Rivotril e uma cana artesanal já pela hora da morte. As longas horas consumidas por uma página de quadrinhos começaram a se tornar longas horas consumidas pela paranóia. E aí fui fazer alguma coisa pra me divertir sem compromisso… Uma coisa tipo desenhar.

Meu traço estava solto, rápido e cheio de incoerências e eu estava meio in love com uma doidinha (doidinha significa mulher) do sul. Peguei uma rebarba de papel A3 que havia sido cortado e fiz uma tirinha pra ela. Fiz à lápis 6B, sem esboço, sem roteiro, sem porra nenhuma. Escaneei e colori no photoshop com o primeiro brush que tinha o ícone de lápis. Quando vi aquilo pronto, percebi que tinha rolado… Um negócio, uma coisa, um rompante. Aquele tipo de ruptura que gente só percebe depois que passa, porque tudo que é bom dura pouco, fica longe ou é vendido pra quem não vai te dar.

Aquela tira meio que… Mudou o jogo. Por mais que o trabalho em “do zero ao mais ou menos” fosse cheio de grafismo e tivesse um traço bem estilizado, ainda era diagramado em quadros simétricos, esboçado no lápis azul e finalizado no pincel, com várias técnicas de aplicação de tons de cinza. Essa linguagem gráfica da tirinha, verdade seja dita, veio de uma mentalidade inconsciente de que os erros vão acontecer tanto que, sem eles, sua própria identidade não existira. Eu chamo isso de… esculhambismo criativo.

Por isso mesmo, certos elementos gráficos haviam ficado meio confusos, e, na cor, encontrei o artifício para dividir os planos e as figuras. Foi a primeira vez que usei a cor por uma necessidade narrativa. Por fim, havia descoberto uma forma de desenhar que me soou como ponto médio entre a flexibilidade dos quadrinhos e a rigidez da ilustração.

Desde então, graphic novel e tirinhas ganharam importância equivalente e não mais tenho passado uma semana sem publicar nada…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *