Uma vez que A Saga Do Porco Dourado estava desenhada, convoquei uma equipe porcônica de especialistas – Dandara Palankof (editora) e Eduardo Padrão (designer) – para pensarmos no projeto gráfico e editorial do álbum. Para eles, entreguei um arquivo pdf chamado Demo Tape. Tratava-se basicamente de um protótipo de baixa fidelidade do que eu esperava se tornar o produto final, ou seja, era como uma canção em formato demo.
Segundo Edgar Morin,“a multidisciplinaridade constitui uma associação de disciplinas, por conta de um projeto ou de um objeto que lhes sejam comuns; as disciplinas ora são convocadas como técnicos especializados para resolver tal ou qual problema; ora, ao contrário, estão em completa interação para conceberesse objeto e esse projeto”.
Minha assimilação da vida parte de uma realidade onde tudo é hierarquizado e organizado como se fosse música. Essa dinâmica é absoluta e independe do objeto ao qual me refiro. Por exemplo, quando vou ao supermercado e pego dois vidros de mostarda amarela, um da marca DoSul e outro Hemmer, é como se fossem duas guitarras. A DoSul é uma Tagima e a Hemmer é uma Fender.
Então, por mais que, na prática, o arquivo que eu tenha mandado para a equipe porcônica tivesse 32 páginas pré-diagramadas, com indicativos de ilustrações capitulares, seções específicas, e etc, ele era uma canção em formato demo. Entreguei o pdf e disse “eu compus a música, agora vocês fazem os arranjos”.
Passamos quase dois meses trabalhando na edição após uma reunião em vídeo feita remotamente e a criação de um grupo no whatsapp. Durante esse tempo, nossa comunicação tomou um rumo vernacular, associando música e quadrinhos. As coisas progrediram de tal forma que decidimos inserir um QR Code no final do último capítulo de “A Saga”, para direcionar o leitor a uma composição minha, desta vez realmente musical, atrelada esteticamente ao final da história contada no álbum.
A composição se trata de uma canção e foi gravada no meu homestudio. Teve a participação de mais dois instrumentistas, que também gravaram seus arranjos nos respectivos homestudios deles. Arthur Azoubel, o Pleno, gravou a bateria, e Matheus Mota gravou o piano elétrico. O trabalho foi mixado e masterizado por Roberto Kramer, o Pardal. O título da obra é “A Caminho do Sul”, que foi composta cerca de dois meses antes que eu começasse a desenhar o porco. Dessa forma, a HQ foi concebida já com um certo direcionamento para se encerrar na música.
Ainda assim, essa relação entre som e imagem, ao menos enquanto a história estava sendo gestada, não foi rigorosa, para não comprometer o caráter lúdico do pobre autor. 🙁 No final, deu certo e as linguagens sonora e visual se entrelaçaram de vez na etapa do projeto gráfico e editorial, desempenhada elegantemente por Padrão e Dandara, como foi dito anteriormente.
“A Caminho do Sul’, por sua vez, não teve uma versão demo para além de uns dois registros de voz e violão no celular, o que acarretou alguma demora na fase de gravação dos arranjos. Gravei baixo, vozes e guitarra num dia só, utilizando uma Giannini Supersonic 68′ e um Fender Precision 84′, ambos com todas as peças originais. O amplificador de guitarra foi um Orange Tiny Terror ligado num gabinete 2×12 Alto-Volts. Arthur gravou a bateria alguns dias depois, acredito que num take só.
Quando recebi a primeira mix de Pardal, senti que algo estava faltando na ambientação estética dos sons. Embora as frequências estivessem bem equilibradas, a música carecia de arranjos mais criativos, mais cativantes. Foi quando pedi a Matheus que gravasse um piano elétrico. Pra finalizar, encaixei algumas harmonias nos backing vocals, fiz algumas texturas usando pedais de guitarra e, por último, um balde d’água. Pois é, gravei um balde d’água e descobri que a diferença entre uma pessoa mijando na sua mixagem e uma linda cena de amor aquático é a quantidade de reverberação que você bota no som. Enfim, “A Caminho Do Sul” ficou pronta.
Fiz um (meio duvidoso) book trailer do porco com a canção. Saquem aí.