“Sequestrasse o panóptico, Athayde” foi o que disse Lula, meu orientador do mestrado, depois de ouvir o relato de uma viagem de ácido acadêmico que tive ao consumir uns  Michéis Foucaults e uns Jorges Larossas meio incessantemente. As obras foram Vigiar e Punir, do careca, e Tremores, do Larossa, que confesso não saber se é careca. Eu, particularmente, estou caminhando a passos largos para ser. Orientador Lula, por sorte, não. 

Segundo o site wikipédia, “a calvície é uma forma de alopécia caracterizada por uma gradual e progressiva perda de cabelos devido a fatores hereditários. O tipo mais comum de calvície masculina é a alopecia androgenética, (AAG) ou calvície de padrão masculino. Ocorre em aproximadamente 50% dos homens”, então tudo bem, tudo certo. Mas vamos voltar ao panóptico.

Pra Foucault, o dispositivo prisional pode ser explicado através da imagem desenhada aí em cima – Uma prisão em formato de arena, com celas prisionais voltadas para o centro, onde fica uma torre de observação que dá visibilidade – e controle – total sobre os presos. Essa torre é o tal do observatório panóptico lá do primeiro parágrafo. Pro careca, esse observatório representa o estado; e as celas, os indivíduos. A luz é como se fosse o dedo do poder apontando pra pessoa e dizendo “ei, va-ga-bun-do, encosta a mão na parede!”, mais ou menos tipo um PM ao abordar alguém num baculejo – experiência que não recomendo. 

E por falar em experiência, Larossa fala que “experiência é tudo aquilo que nos atravessa”. Já David Hume, um filósofo empirista do século 18 que usava peruca, definiu o homem como um feixe de sensações, sendo as sensações aquilo que nos é causado por e nos resta após uma experiência. Daí vocês tiram minha viagem:

Eu sou artista e, seja para compor minhas canções ou para escrever minhas narrativas, eu preciso de experiências. Preciso delas porque preciso das sensações que elas deixam marcadas em mim. “Artistas criam sensações”, disse o filósofo cabeludo Gilles Deleuze. O grande problema é que hoje, nesse mundo virtualizado, a informação estupra seus olhos e ouvidos a todo instante e como isso acontece no âmbito digital, fica difícil saber o que é e o que não é experiência.

Larossa fala que a “experiência é cada vez mais rara”. Imaginem: antigamente, você ia numa locadora de videogame e tinha dez televisões, uma ao lado da outra, pra você e seus amigos jogarem juntos. Vocês, que provavelmente não eram carecas ainda, saíam de casa, passavam pela cidade, viam pessoas nas ruas, sentiam o frio ou o calor do dia, entravam na locadora, falavam com o dono e ficavam sentados – um ao lado do outro – jogando. Isso é uma experiência. E é tão experiência quanto o nascimento do seu primeiro filho ou a morte da sua bisavó de 236 anos em plena lucidez. Hoje, o sujeito fica em casa, deitado igual a um pote de requeijão derramado no chão, dando like em foto de bunda e escrevendo besteiras na busca do youtube através de um teclado sem fio. 

Nas artes, é assim também: ao toque de uns três cliques, vocês encontram o catálogo completo de obras de arte produzido pela humanidade. Como eu vou conseguir criar se me foi privada a experiência e exposta diante de mim toda a produção artística do ser humano? Bom, foi aí que eu sequestrei o panóptico. 

Na minha visão, a torre de observação é o artista; as celas prisionais são as obras de arte que já foram feitas; e a luz, o mecanismo que nos permite enxergá-las, ou seja, a internet. Por isso, eu cheguei à conclusão que, para experienciar a vida e se entregar às sensações, é necessária a escuridão. É preciso desligar a lanterna que nos permite observar o mundo virtual por algum tempo para que, como uma criatura marítima das fossas abissais, possamos desenvolver uma luz própria. Uuuuuui, que glamour para um carequinha de pós-graduação!

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