Hoje, eu sei que os Bonecos de Olinda são o equivalente nordestino aos Mechas japoneses. Há vinte e muitos anos, porém, era difícil fazer essa conexão… A TV brasileira dos anos 1990, inundada de séries nipônicas protagonizadas por heróis de armadura cibernética ou robôs inteligentes, fazia a cabeça da criançada e marcou pra sempre aquela geração. Era a febre dos Tokusatsu, enlatados japoneses infanto-juvenis transmitidos no Brasil (principalmente) pela saudosa emissora Rede Manchete de Televisão. Eu, menino típico da época, era obviamente fascinado pelo tema.
De Power Rangers à Jaspion e Jiban, aquele universo estético de fantasias de látex de baixo orçamento, batalhas ambientadas numa pedreira ou num fundo preto com gelo seco, katas e henshins de transformação, era a coisa mais próxima de uma história de super heróis com “pessoas de verdade” que se tinha notícia. Muito provavelmente por isso, foi mania e pontuou a audiência da televisão brasileira por quase quinze anos. Pra mim, era como entrar em contato com uma realidade muito mais interessante, rica e inatingível. No Brasil, existe essa perspectiva: o que está na TV é melhor do que aquilo que está ao seu redor. É um resíduo do período colonial.
Me questiono sempre sobre uma outra timeline, na qual a cultura brasileira se tornou produto de exportação e não um catalogo de frustrações da classe média nacional. Ainda assim, aqui na nossa linha do tempo, o Brasil, mesmo que não proporcione uma terreno fértil para que seus artistas plantem e vejam crescer suas obras, é uma potência criativa. Dá pra observar no próprio Tokusatsu. O que seria Black Kamen Rider se não fosse a voz do dublador Élcio Sodré na boca do protagonista Issamu Minami? Certamente, não seria a mesma coisa.
O Brasil possui esse poder de abraçar. De assumir o filho dos outros, criar, ensinar o valor do feijão com arroz, da coxinha e do brigadeiro e se divertir jogando uma pelada no fim de tarde do sábado. O nome acadêmico disso é Hibridismo Cultural, conceito-chave de uma livro homônimo publicado pelo inglês Peter Burke em 2000. Claro que, enquanto fenômeno, o Hibridismo Cultural é o processo de duas culturas (ou mais) se moldarem uma a outra e isso não é algo restrito somente à realidade brasileira. A grande questão é que, uma vez na condição de cidadão brasileiro, nascido e criado no Recife, eu não saberia como abordar o tema sem levar em conta a minha práxys, a minha vivência.
Quando eu estava me encaminhando para o desempreg… Desculpem. Eu quis dizer: me encaminhando para terminar o curso de jornalismo, essas reflexões dos parágrafos acima fervilhavam na minha cabeça. O resultado foi que, como trabalho de conclusão de curso, investiguei esse período da década de 1990, a mania do Tokusatsu e o processo de Hibridismo Cultural numa monografia chamada DA TELEVISÃO À WEB: A TRAJETÓRIA DO TOKUSATSU NO BRASIL. Fascinado pela cultura nipônica, também dei um jeito de inserir no trabalho diversos dados e fatos obscuros sobre como essa ambientação estética criada na Terra do Sol Nascente se deu, lá no período da ocupação norte-americana, depois da Segunda Guerra Mundial. Resgatei esse material recentemente e tô colocando aqui abaixo pra que todo mundo possa ler!